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Planejamento e gestão de programas de saúde animal – um exemplo prático

Publicado em 13/09/2022

Luís Gustavo Corbellini, Doutor em epidemiologia.

A gestão é o ato de administrar e de gerir recursos, pessoas ou qualquer processo que possa ser administrado para atingir alguma finalidade comum, um propósito. Gestão implica, dentre outras coisas, planejar e tomar decisões.

Quando falamos em programas de saúde animal, sendo este de um governo ou de uma agroindústria, o propósito é o mesmo: promover a saúde animal e a saúde pública. Para alcançar esse objetivo é necessário planejar programas de prevenção e controle de doenças que envolvem processos que vão desde a fazenda até a mesa do consumidor.

O planejamento de um programa de saúde animal que seja efetivo passa por três níveis:

  1. Planejamento estratégico
  2. Planejamento tático
  3. Planejamento operacional

No planejamento estratégico,os objetivos gerais a serem alcançados – o alvo -, são determinados. São planos genéricos que definem o propósito e orientam o caminho, com foco no longo prazo. Num programa de controle de salmonela em frangos, por exemplo, o objetivo estratégico poderia ser o de reduzir a ocorrência da infecção no campo por meio da implantação de um sistema de vigilância epidemiológica que traga inteligência à tomada de decisões, integrando os diversos elos da cadeia.

Ao estabelecer um objetivo claro, o planejamento converge para encontrar soluções alinhadas aos objetivos. A eficácia aumenta!

Um ponto importante a salientar, indispensável a qualquer programa de controle de doenças em populações, é sobre a vigilância epidemiológica. Já escrevi um artigo específico sobre o tema, que você pode ver aqui. Não se faz vigilância sem ciência de dados. Estamos falando de doença em populações, que exige a coleta de muitos dados e realização de inferências estatísticas ou modelos de predição.

Para desenvolver um bom programa de vigilância não é preciso criar algo totalmente novo, com alto investimento no desenvolvimento de um sistema informatizado específico. Muitas empresas já possuem o que é de mais valioso: “os dados de saúde animal”. Entretanto, eles geralmente estão armazenados em sistemas distintos, como os de laboratório de diagnóstico, de controle de uso de drogas veterinárias ou sistemas de rastreabilidade, para citar alguns. Eles precisam ser integrados!

Para otimizar o uso desses dados é necessário, primeiramente, planejar os requisitos do sistema de vigilância epidemiológica, mapear todos os processos existentes de coleta de dados e sistemas existentes para, então, montar um projeto de data analytics alinhado aos requisitos da vigilância.

No planejamento tático, o plano vai se segmentando, ou seja, ele deve apresentar uma visão por áreas ou departamentos de uma empresa ou órgão governamental, com foco no médio prazo.

É nessa fase do planejamento que os planos de ação e as metas são criadas. Por exemplo, ao se analisar a prevalência atual e seus impactos, define-se uma meta exequível de redução percentual da ocorrência de salmonela no campo dentro de um prazo determinado. Para isso, é necessário a analisar os dados disponíveis de ocorrência do patógeno para gerar informações epidemiológicas imprescindíveis para o diagnóstico da situação.  

Ao se estabelecer indicadores, os efeitos das ações tomadas podem ser monitorados, permitindo avaliar os resultados do programa. A eficiência aumenta!

Para definir as ações e metas a serem alcançadas, antes é preciso analisar o processo de controle atual, descrever qual o papel e responsabilidades de cada setor no programa e identificar os pontos críticos. Um patógeno com epidemiologia complexa, que se amplifica ao longo do processo de produção, exige um plano integrado que especifique as ações para cada área envolvida da empresa e da cadeia.

É importante lembrar que a escolha das alternativas que sejam mais efetivas passa por um processo de tomada de decisão. Uma avaliação crítica das soluções deve ser realizada pelos gestores. Para isso, uma ampla variedade de possíveis soluções devem ser exploradas, incluindo as que estão sendo realizadas atualmente. Quanto maior a quantidade de alternativas geradas, maior a possibilidade de uma tomada de decisão sensata. O processo de ideação das soluções pode ser realizado por uma seção de brainstorming, que é um método muito útil nessa situação.

Ao analisar as possíveis soluções, algumas questões podem ser consideradas, como no caso de salmonela:

  1. Que critérios podem auxiliar na escolha de uma alternativa?
  2. Quais as implicações financeiras de cada solução?
  3. Quais os fatores a serem ponderados, considerando a epidemiologia da infecção por Salmonella spp.?
  4. Qual o impacto para a redução da contaminação de carcaças de frango?
  5. Qual o impacto para a saúde pública?
  6. Qual o grau de complexidade de cada alternativa?
  7. Quais as consequências de cada alternativa?

Por fim, no planejamento operacional, as ações a serem realizadas para que os objetivos traçados no plano estratégico sejam cumpridos, são definidas. É uma visão por tarefas, com foco no curto prazo. É nessa etapa que a operacionalização das ações deve ser detalhada.

Planejar um programa de saúde animal, definindo estratégias e metas a serem alcançadas, é a forma mais eficiente para se controlar doenças em populações animais. Pensar de forma estruturada permite identificar as melhores soluções, otimizar recursos e processos, de forma a atingir os resultados esperados.

Leia mais artigos como esse no blog da Corb Science

Vigilância epidemiológica: o que é e como utilizá-la na gestão de programas de saúde animal

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