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Opinião

22/12/2023


Entre a percepção e a prevenção: estratégias de comunicação de risco na fase pós vacinação contra a febre aftosa.

A retirada da vacinação para a febre aftosa nos estados brasileiros é um passo crucial para a consolidação do melhor status sanitário chancelado pela Organização Mundial de Saúde Animal, mas levanta a questão: e agora? Como lidamos com a possível armadilha do esquecimento, da subestimação do risco?

Com a decisão estratégica de retirar a vacinação contra a febre aftosa no Brasil, nos deparamos com uma encruzilhada crítica, cuja resolução depende da compreensão aprofundada da percepção do risco. Entramos, assim, no terreno da percepção do risco, conceito magistralmente explorado por Slovic (1987), e é vital aplicar essas ideias ao nosso contexto.

Ao mergulharmos no conceito de Slovic, entendemos que a percepção do risco transcende a simples avaliação objetiva dos perigos; é uma complexa interação entre processos cognitivos e emocionais que moldam nossa interpretação e resposta às ameaças. Este panorama psicológico e social torna-se essencial para a compreensão do desafio que enfrentamos na transição para uma fase pós-vacinação contra a febre aftosa.

O Programa de Vigilância Baseado em Risco (PVBR) do Ministério da Agricultura e Pecuária, na qual a Corb Science contribuiu para a sua concepção, é mais do que uma mudança operacional; é uma transformação de mentalidade. Com a erradicação da doença, há o perigo de se acomodar na falsa sensação de segurança, um terreno perigoso que pode levar ao desinteresse e, consequentemente, à negligência.

É fácil esquecer a ameaça quando não a vemos mais como iminente. O desafio agora é superar essa tendência natural e garantir que a comunicação desempenhe um papel ativo na conscientização contínua. A ênfase deve ser clara: a febre aftosa não é um capítulo encerrado, mas sim um alerta para a necessidade contínua de prevenção.

Portanto, a erradicação da febre aftosa cria um desafio duplo. Primeiro, há o perigo de relegar a doença ao passado, afastando-se da consciência pública. Segundo, a ausência aparente de riscos tangíveis pode gerar uma falsa sensação de segurança. Este é um terreno delicado onde a percepção de risco, conforme delineada por Slovic, se torna vital.

O desafio brasileiro é comunicar efetivamente que a ameaça ainda persiste, embora de maneira latente. Aqui, entra em cena a necessidade de abordagens de comunicação que considerem não apenas a análise objetiva dos perigos do vírus da febre aftosa, mas também os elementos subjetivos que moldam como percebemos e respondemos a esses riscos.

A comunicação deve transcender a mera apresentação de dados epidemiológicos. Ela deve envolver narrativas claras, destacando a relevância contínua da prevenção, mesmo em um cenário de aparente tranquilidade. Slovic nos lembra que a percepção de risco é um fenômeno complexo, influenciado por fatores emocionais e sociais. Portanto, nossos esforços de comunicação devem abordar não apenas a mente, mas também o coração das pessoas.

Neste novo cenário, uma parte importante da responsabilidade recai sobre os produtores e todos os envolvidos. A prevenção torna-se a palavra de ordem. A comunicação efetiva desempenha um papel fundamental, destacando a importância crucial de práticas preventivas.

A linguagem deve ser direta, sem espaço para interpretações equivocadas. A prevenção não é uma escolha, mas uma necessidade contínua. Os produtores desempenham um papel fundamental na linha de frente dessa batalha, e é vital que eles entendam a relevância de suas ações diárias e percebam o risco de forma inequívoca. Não podemos nos dar ao luxo de relaxar; pelo contrário, agora é o momento de reforçar os protocolos de segurança.

Diferentemente do que se fazia no passado, quando o importante era garantir a cobertura vacinal para erradicar a doença, a partir de agora o foco da vigilância é monitorar os fatores de risco da doença. Desta forma, itens de biosseguridade e fatores relevantes para a introdução e disseminação da doença serão explorados a cada vistoria a propriedades rurais. O intuito é identificar os principais pontos que devem ser melhorados e orientar os produtores e responsáveis sobre práticas preventivas.

Entendemos, portanto, que a retirada da vacinação não é apenas uma transformação técnica, mas também uma mudança sutil na forma como percebemos e respondemos aos riscos associados à febre aftosa. A comunicação efetiva se torna, portanto, a chave para equilibrar a realidade da ameaça com a necessidade urgente de ação preventiva.

Assim, enquanto avançamos para um futuro livre de febre aftosa sem vacinação, devemos abraçar a responsabilidade compartilhada de proteger nossa pecuária. A febre aftosa não é um capítulo fechado, mas uma narrativa que continua, onde a prevenção é a protagonista. E agora? Agora é o momento de nos unirmos, aprender com o passado e construir um futuro sustentável para nossa pecuária.

Slovic P. Perception of risk. Science 1987; 236:280-285

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Por Luís Gustavo Corbellini, Médico Veterinário, Doutor em epidemiologia