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Biosseguridade e sua relação com o conceito de risco

Por Luís Gustavo Corbellini, 28 de junho de 2022

O termo biosseguridade (Biosecurity) está relacionado com medidas de contenção de situações de risco, visando coibir a liberação intencional e o uso indevido de agentes de risco que possam comprometer a segurança das pessoas e do ecossistema, principalmente os biológicos (Cardoso et al., 2008; Rocha, 2011). Já a biossegurança (Biosafety) refere-se a princípios de contenção destinados a reduzir a exposição involuntária ou liberação acidental de agentes de risco. 

Ambas possuem caráter preventivo e estão associadas com a redução de riscos, sendo que o termo biosseguridade é muito empregado no contexto do bioterrorismo, na prevenção do uso de armas biológicas.

No entanto, o termo biosseguridade também é utilizado de forma mais abrangente, indo além das questões relacionadas ao bioterrorismo. O Ministério do Meio Ambiente no Brasil define biosseguridade como “o estabelecimento de um nível de segurança dos seres vivos por intermédio da diminuição do risco de ocorrência de qualquer ameaça a uma determinada população”(Cardoso et al., 2008). 

Este conceito é próximo ao utilizado em políticas nacionais de biosseguridade, como as adotadas pelo Departamento de Agricultura do Governo Australiano. Eles consideram que a biosseguridade é fator chave dos esforços governamentais em prevenir, responder e se recuperar da ocorrência de doenças e pragas que ameaçam a economia e o meio ambiente (Department of Agriculture, 2021).

Numa granja ou conjunto de granjas (compartimento), programas de biosseguridade correspondem a práticas e estruturas físicas utilizadas para prevenir a introdução e disseminação de agentes patógenos dentro e entre rebanhos (Silva et al., 2019). Ou seja, a biosseguridade é uma estratégia utilizada para reduzir o risco de ocorrência de doenças que podem produzir impactos extremamente elevados na economia de um país, na saúde pública e na saúde animal. Independentemente do nível de atuação, seja num país ou numa propriedade rural, a biosseguridade está relacionada com “risco”, sendo que a análise de risco é um princípio básico.

A análise de risco (AR) é aplicada em diversas áreas da gestão empresarial, tais como: gestão de projetos, gestão financeira, seguros e prevenção de desastres. Também tem sido amplamente utilizada no campo da segurança dos alimentos. No comércio internacional de produtos de origem animal e vegetal o uso da análise de risco tem crescido significativamente desde a implementação do Acordo sobre a Aplicação de Medidas Sanitárias e Fitossanitárias da Organização Mundial do Comércio em meados da década de 1990 (Acordo SPS) (WTO, 1995). 

O Acordo prevê que “Os Membros assegurarão que suas medidas sanitárias ou fitossanitárias sejam baseadas em uma avaliação, conforme apropriado às circunstâncias, dos riscos para a vida ou saúde humana, animal ou vegetal, levando em consideração as técnicas de avaliação de risco desenvolvidas pelas organizações internacionais pertinentes”. 

De acordo com o Project Management Institute (PMI), risco é um evento, um fato, uma condição incerta que se ocorrer ela provocará um impacto (Weaver, 2008). Se a incerteza estiver associada a um impacto negativo, o risco é chamado de ameaça. A incerteza, neste caso, está ligada ao processo de aleatoriedade da natureza e aos limites da nossa compreensão (Gardoni e Murphy, 2014). Como Patrick Weaver descreveu em seu artigo intitulado The meaning of risk in an uncertain world: “Descrever algo como um risco é uma maneira conveniente de descrever um estado desconhecido que pode ocorrer no futuro (e, consequentemente, pode não ocorrer) … Se algo ocorrer (por exemplo, o pôr do sol), não há incerteza e, portanto, nenhum risco” (Weaver, 2008).

O risco possui duas dimensões: a probabilidade de ocorrência de um determinado evento e os impactos associados a ele. Assim, ao avaliarmos o risco de forma qualitativa, por exemplo, sua estimativa envolve quantificar a probabilidade de ocorrência de um determinado evento e os seus possíveis impactos, que devem representar a magnitude das consequências.

Para estimar os riscos de ocorrência de Peste Suína Africana (PSA) no Brasil, por exemplo, é necessário identificar as principais fontes de infecção do vírus, os caminhos de entrada e de exposição de um animal, bem como avaliar as possíveis consequências dessa exposição. 

Diante da iminência da ocorrência de doenças com potencial pandêmico, a elaboração de uma AR contribui para a coordenação do processo de comunicação e elaboração de medidas baseadas em cenários de consequências prováveis. Trata-se de um processo baseado em ciência, pois os modelos de risco são fundamentados em referenciais teóricos que organizam as suposições de forma a identificar cenários lógicos mais próximos da realidade. Assim, o papel da AR é auxiliar os gestores sobre o entendimento dos riscos e avaliar as opções de controle disponíveis.

Uma vez que a sequência de eventos que levam a ocorrência de uma doença e suas consequências precisa ser descrita no processo de construção de uma AR, o desenvolvimento de um programa de biosseguridade com base em riscos se torna mais eficaz. O aumento da eficácia ocorre porque os esforços estarão concentrados nos principais fatores de risco identificados na análise, otimizando, assim, o programa de biosseguridade. 

Inúmeras organizações de países desenvolvidos utilizam a AR para auxiliar nos processos decisórios, principalmente sobre questões sanitárias e ambientais. A Austrália utiliza a ferramenta no âmbito de sua Política Nacional de Biosseguridade. O Departamento de Agricultura daquele país entende que um plano de biosseguridade em nível nacional é essencial para redução dos riscos de entrada de doenças e pragas agropecuárias e utiliza amplamente a AR em sua estratégia.

Desde a notificação de um caso de PSA na Geórgia em 2007, o Friedrich-Loeffler-Institut (FLI, Alemanha) publicou ao menos sete avaliações de riscos. As avaliações de risco identificavam os principais riscos de ocorrência da PSA e à medida que a doença avançava para o leste europeu os modelos eram atualizados. Assim, o país coordenou as ações de prevenção com base em risco.

Nota-se, portanto, que a biosseguridade está totalmente associada com o conceito de risco. Desta forma, a eficácia de um programa de biosseguridade pode ser aumentada se: 1) os perigos biológicos forem identificados e priorizados; 2) os riscos impostos por esses perigos forem avaliados e compreendidos; 3) os riscos forem monitorados e 4) gerenciados.

Referências Consultadas

  1. CARDOSO, T. A. O. et al. Biosseguridade e biossegurança: Aplicabilidades da segurança biológica. INCI [online], v. 33, n. 8, p. 561–568, 2008.
  1. DEPARTMENT OF AGRICULTURE, W. AND THE E. Biosecurity. Disponível em: <https://www.agriculture.gov.au/biosecurity>. Acesso em: 16 ago. 2020.
  1. GARDONI, P.; MURPHY, C. A Scale of Risk. Risk Analysis, v. 34, n. 7, p. 1208–1227, 2014. 
  1. ROCHA, S. S. Invisibilidade de situações de risco biológico no campo da Saúde Pública: desafios de biossegurança e biosseguridade. [s.l.] Fundação Oswaldo Cruz, 2011.
  1. SILVA, G. S. et al. Assessment of biosecurity practices and development of a scoring system in swine farms using item response theory. Preventive Veterinary Medicine, v. 167, p. 128–136, 1 jun. 2019.
  1. WEAVER, P. The meaning of risk in an uncertain world. Disponível em: <https://www.pmi.org/learning/library/project-risks-uncertain-world-8392>. Acesso em: 20 ago. 2020.
  1. WTO. The WTO Agreement on the Application of Sanitary and Phytosanitary Measures (SPS Agreement). Disponível em: <https://www.wto.org/english/tratop_e/sps_e/spsagr_e.htm>. Acesso em: 23 ago. 2020. 

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