13 de abril de 2022
Luís Gustavo Corbellini, Médico Veterinário, Doutor em Epidemiologia
O pensamento analítico é central na solução de problemas, pois envolve pensar neles de maneira mais ampla, sob diversas perspectivas. Pensar analiticamente ou de forma crítica é buscar por uma resposta ou solução através de uma análise estruturada dos fatos. O perfil analítico é a “habilidade de produzir ou relacionar informações de diferentes origens que, nem sempre, estão relacionadas de uma maneira óbvia”, sendo uma habilidade muito valorizada nos profissionais em várias áreas de atuação.
A abordagem epidemiológica empregada para investigar surtos de doenças utiliza amplamente o pensamento analítico. Em artigo anterior publicado em nosso blog (você pode ver aqui) descrevemos os passos para a investigação de surtos, que é um pequeno exemplo das muitas formas de pensamento analítico utilizados na epidemiologia.
A ciência epidemiológica oferece um amplo instrumental para investigar problemas de doenças em populações. Seus métodos são empregados para facilitar a compreensão de fenômenos complexos da relação entre a doença, ambiente e populações de animais (e pessoas) – a tríade epidemiológica. Além dessas três dimensões, a epidemiologia também avalia a doença sob a perspectiva da sociedade, ou seja, a influência das pessoas e seus hábitos sobre a ocorrência de doenças. Sendo assim, o problema é avaliado sob diversas perspectivas.
O foco da epidemiologia não é, portanto, apenas o patógeno, mas na complexa interação de inúmeros fatores causais de doenças. Em minha experiência acadêmica de mais de 15 anos, diante de problemas complexos, é comum ver Médicos Veterinários focando suas ações no diagnóstico, esquecendo-se de problemas subjacentes que podem estar causando o problema.
O diagnóstico é uma ferramenta importantíssima que tem sua eficácia aumentada quando seus resultados são complementados com outras ferramentas. Por exemplo, a gestão de doenças é muito mais eficaz quando se planeja um sistema que monitora pontos estratégicos ao longo do processo de produção. É dizer, empregar técnicas de diagnóstico de forma planejada com o objetivo de compreender melhor a ocorrência de agravos ou infecções e, assim, preveni-las.
Imagine as seguintes situações: aumento de casos de condenações de carcaças de frango por colibacilose (Escherichia coli) ou do isolamento de Salmonella não tifóide em carcaças ou produtos. Ambas bactérias representam ameaças à saúde pública e podem ser encontradas amplamente na natureza.
A suscetibilidade dos hospedeiros à infecção por E. coli depende de múltiplos fatores. Em outras palavras, para ocorrer a colibacilose é necessário que haja a infecção por E.coli APEC. No entanto, a infecção pode não ser suficiente para causar doença grave na população, pois sua ocorrência quase sempre depende de diversos componentes, o que chamamos de causalidade multifatorial.
No outro exemplo citado, a contaminação de carcaças de frangos por bactérias do gênero Salmonella é um fenômeno que depende de incontáveis fatores de risco que vão desde a fazenda até o processo de abate e de processamento de produtos.
Esses são exemplos de problemas complexos que exigem uma abordagem analítica para a sua resolução, que é comumente empregada pela epidemiologia. Um recente artigo sobre Salmonella spp. em frango de corte reportou que cada setor da cadeia de produção avícola deve identificar seus pontos críticos para gerar indicadores.
Com base nos indicadores as empresas devem formular um plano de ação a ser realizado diariamente: “O monitoramento constante de diferentes pontos dentro de uma integração vertical (fazenda de matrizes, incubatório, granja de frangos de corte, planta de processamento e fábrica de ração) permite a identificação de potenciais fatores de risco e aquelas áreas que podem levar à contaminação cruzada” (Pulido-Landínez, 2019)
Da fazenda à mesa existem inúmeros riscos que podem levar à contaminação do ambiente ou da ração por patógenos, infecção dos animais e, por consequência, contaminação dos produtos, servindo de fonte de infecção para os consumidores. Aí entra o conhecimento epidemiológico, pois ele promove um entendimento do problema de forma ampla, com foco em identificar os riscos de forma estruturada para, assim, formular um programa de monitoria e/ou vigilância eficaz.
O pensamento analítico comumente empregado na abordagem epidemiológica é uma estratégia eficaz para a resolução de problemas sanitários complexos. Com ele somos treinados a integrar e aplicar diferentes tipos de conhecimento sobre a ocorrência de doenças e a sua interação com o ambiente e o hospedeiro. Assim, raciocinar criticamente acerca dos diversos fatores de risco, permite identificar a melhor forma de monitorá-los, bem como atuar de forma mais assertiva na solução dos problemas.