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H5N1 clade 2.3.4.4b: uma análise da situação epidemiológica atual

23/08/2023

Visão geral da situação

A doença conhecida como “gripe aviária” é causada pelo vírus da influenza tipo A (VIA) e acomete várias espécies de aves e de mamíferos. As aves silvestres, principalmente cisnes, gansos, patos, marrecos (ordem Anseriformes), gaivotas, maçaricos e batuíras (ordem Charadriiformes) (Ward et al., 2009), são tidas como os reservatórios naturais do VIA (Swayne et al., 2020).

Ao sofrer mutações e ou recombinações, novas linhagens do vírus podem surgir, como é o caso da clade 2.3.4.4b. Essa linhagem viral apresenta grande capacidade de se dispersar e a habilidade de infectar mamíferos, causando doença e atingindo altos níveis de mortalidade em algumas espécies (WHO, 2022).
A detecção de focos de influenza aviária altamente patogênica (IAAP) em vários países da América Latina e do Caribe é uma situação nunca registrada anteriormente (OPAS, 2023b). Na Europa, essa é considerada a maior epidemia de IAAP já registrada no continente (EFSA et al., 2023b) – foram mais de 50 milhões de aves domésticas abatidas em estabelecimentos afetados.

Surtos de IAAP, principalmente causados por H5N1 clade 2.3.4.4b, estão sendo registrados em aves silvestres e em aves domésticas de subsistência e comerciais em países da Europa desde 2020, na América do Norte desde o final de 2021, e nas Américas Central e do Sul desde o final de 2022 (OPAS, 2023a, 2022). Evidências apontam que os surtos de H5N1 registrados na região das Américas estão localizados, principalmente, nas áreas de rota migratória do Pacífico (OPAS, 2023b), propagando-se da região norte para a região sul, tendo vindo do continente europeu – provavelmente pela Islândia.

No dia 15 de maio de 2023, o vírus da influenza aviária altamente patogênica (IAAP) H5N1 clade 2.3.4.4b foi detectado pela primeira vez em aves silvestres em território brasileiro. O foco de H5N1 foi detectado no estado do Espírito Santo. Desde então, o vírus também foi detectado nos estados da Bahia, Paraná, Rio de Janeiro, Rio Grande do Sul, Santa Catarina e São Paulo. Apesar do número de casos continuar aumentando, até o momento não houve registro de gripe aviária em aves comerciais no país. Dez estados (BA, ES, MS, PR, RJ, RS, SC, SE, SP, TO), até então, declararam estado de emergência zoossanitária.

Espécies afetadas

A variedade de espécies afetadas é notável, abrangendo aves de diversas ordens, com letalidade média de 86%. O impacto é particularmente evidente em aves migratórias e domésticas criadas em fundo de quintal (subsistência), ampliando o risco de infecção em aves comerciais.

No Brasil, as espécies afetadas até o momento incluem aves domésticas e silvestres, migratórias e não migratórias, que entraram em contato com essas aves migratórias infectadas. Algumas das espécies afetadas incluem o trinta-réis-de-bando (Thalasseus acuflavidus), o atobá-pardo (Sula leucogaster), o trinta-réis-real (Thalasseus maximus), o trinta-réis-boreal (Sterna hirundo), a coruja-do-mato (Megascops choliba) e o cisne-de-pescoço-preto (Cygnus melancoryphus). Essas espécies possuem diferentes áreas de ocorrência e migração, com algumas delas sendo encontradas em várias partes do Brasil.
Além de causar mortalidade em massa em aves, um número crescente de casos de H5N1 clade 2.3.4.4b em mamíferos tem sido registrado, tanto em terrestres quanto em aquáticos, levantando preocupações sobre a ameaça que a IAAP representa para a saúde dos animais domésticos e silvestres e, potencialmente, para os seres humanos (OPAS, 2023b).

Nas Américas, detecções de H5N1 em humanos foram registradas nos EUA, em abril de 2022, no Equador, em 9 de janeiro de 2023 (OPAS, 2023a) e no Chile, em 5 de abril de 2023 (WHO, 2023). No Brasil, casos suspeitos em humanos foram notificados, porém, até o momento, todos apresentaram resultados negativos para o vírus H5N1 (Brasil, 2023b).

Transmissão do vírus

O contato direto entre aves infectadas e suscetíveis é uma via importante de transmissão, bem como o contato indireto através de aerossóis, gotículas ou fômites contaminados. A contaminação da água, alimentos e cama do aviário por saliva e fezes contaminadas pode ocorrer, contribuindo para a disseminação do vírus.

Fômites, como roupas, sapatos, gaiolas e equipamentos contaminados, podem transportar o vírus entre instalações ou locais. Consumo de carcaças infectadas por predação ou canibalismo é outra via de transmissão para aves suscetíveis. O vírus pode ser transmitido pelo ar, especialmente durante o abate de aves infectadas e a movimentação de aves vivas. A transmissão mecânica por vetores, como moscas, também é possível.

A principal via de transmissão entre aves e humanos é o contato direto com fezes ou secreções de animais infectados e a exposição a ambientes contaminados pelo vírus. Não há evidência de transmissão entre humanos. Indivíduos que tenham contato com a cadeia de produção avícola possuem maior risco de infecção do que a população em geral, por conta da exposição prolongada ao agente infeccioso (Simancas-Racines et al., 2023).

Prevenção e controle da IAAP

Medidas de prevenção e controle são vitais para impedir a disseminação da influenza aviária entre as aves domésticas e a introdução do vírus em granjas comerciais. Medidas de biosseguridade são fundamentais para evitar a entrada e a propagação de doenças no plantel avícola garantindo tanto a saúde dos animais como dos trabalhadores presentes. Já a vigilância, tanto ativa quanto passiva, é essencial para a detecção precoce da doença, auxiliando na tomada de medidas rápidas para isolar, eliminar ou controlar os focos de infecção.

Campanhas educacionais e de conscientização desempenham um papel importante para garantir a adesão da população às medidas preventivas, sendo seu envolvimento crucial para mitigar o impacto da doença, uma vez que a detecção precoce dos casos também depende da notificação de suspeitas por parte da sociedade. Ao tardar a notificação, a magnitude das consequências para a sociedade se agrava.

A combinação eficaz de comunicação, educação e vigilância contribui para uma abordagem abrangente na prevenção e controle da IA. Isso ajuda a garantir que as partes interessadas estejam bem-informadas e preparadas para adotar medidas de biosseguridade que reduzam o risco de introdução e disseminação do vírus em suas instalações. Além disso, a conscientização pública sobre a IA é importante para garantir a colaboração e o apoio de todos os envolvidos na indústria avícola e na saúde animal.

Por Kalinka da Conceição Monteiro e Paula D. Seger, especialistas em epidemiologia.

Referências consultadas

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